Muitos têm se frustrado ao não ver o resultado dos seus sacrifícios “espirituais”. Isso é fácil de explicar: “Determinados sacrifícios são formas inconscientes de se sentir merecedor das dádivas divinas”. Isso não cabe na GRAÇA. Nada podemos fazer para ser merecedor de qualquer favor de Deus. O único requisito é a fé.
Basta você jejuar e depois achar que Deus tem que te responder porque você jejuou. Sem contar aqueles que dizem: “Agora Deus vai me abençoar porque eu jejuei!” Ou seja: agora eu mereço essa bênção, eu mereço ter um ministério abençoado e de poder. Lembre-se que isso é inconsciente. NÃO FUNCIONA.
Nesse pensamento de consagração e espiritualização, a maioria dos líderes descuidam da saúde física, contraindo doenças e destruindo o templo do Espírito de Deus.
Querido líder que está lendo esse artigo, responda a si mesmo: Qual foi a última vez que você foi ao médico e fez um check-up? Cuidar da saúde física é cuidar do CORPO.
SAÚDE MENTAL: ALMA – “Tão somente cuida de ti mesmo e cuida bem da tua própria alma...” Dt.4.9. O cuidado da saúde mental é uma recomendação bíblica repetida em diversos textos, porém negligenciada pela maioria dos cristãos, principalmente pela falta de entendimento da tricotomia e a dificuldade de separar as funções da alma e do espírito.
Em meu livro Sarando as Feridas da Alma, trago um aprofundamento sobre essa temática, mas irei resumidamente clarear essa tese aqui.
O espírito - é a parte que possui ligação com as coisas espirituais ou com o mundo espiritual. O termo Rhuah, que pode significar sopro ou vento, indica o espírito do homem em Gênesis 2:7 – “E formou o Senhor Deus o homem do pó da terra, e soprou em suas narinas o fôlego da vida; e o homem foi feito alma vivente”. Sendo assim, o espírito foi insuflado nas narinas de Adão, e pelo espírito o homem ganhou a alma eterna, tornando-se, em definitivo à imagem e semelhança de Deus.
No Novo Testamento, escrito em grego - o termo para Espírito é "Pneuma", usado para se referir ao Espírito Santo, que possui o mesmo sentido de “Rhuah” no hebraico, gerando um vínculo em relação ao Espírito de Deus e o espírito do homem.
É por meio do espírito que o homem se identifica e se relaciona com Deus, visto que, o espírito é eterno – sendo a única parte da tricotomia que não está sob juízo: - “E o pó volte a terra, como o era, e o espírito volte a Deus, que o deu” Ec.12:7. Isso significa que, na morte, automaticamente o espírito separa-se do corpo, retornando para Deus. O corpo volta ao pó - seguindo, posteriormente, juntamente com a alma, para o juízo final – “E não temais os que matam o corpo e não podem matar a alma; temei antes aquele que pode fazer perecer no inferno a alma e o corpo”. Mt.10:28.
A ordem dos tomos definida pelo Apóstolo Paulo em 1Ts 5.23 – “Espírito, Alma e Corpo”, aponta o grau de importância cronológica, sendo o ser humano, por essência espiritual. Daí se entende a necessidade dos homens buscarem, desde sempre, servir a uma divindade, mesmo que não conheça o Deus verdadeiro – Javé.
O Salmista Davi consegue externar essa necessidade de se relacionar com Deus, como a necessidade de respirar para viver: - “Assim como a corsa suspira pelas correntes das águas, assim suspira a minha alma por ti, ó Deus! A minha alma tem sede de Deus, do Deus vivo; quando entrarei e me apresentarei ante a face de Deus?” Sl.42.1,2. É como se a vida não tivesse sentido sem uma comunhão constante com Deus, e, é o espírito humano o responsável de alimentar esse desejo – “E o meu espírito se alegra em Deus meu Salvador”; Lc.1:47.
A alma - é um tema complexo, objeto de estudos divergentes e inconclusivos para filósofos, teólogos, psicólogos e etc. Por mais que pesquisemos, dificilmente encontraremos uma definição concreta e definitiva para alma.
Na fé cristã, o cuidado da alma é o principal “objeto” da espiritualidade. Porém, o que é a alma? Qual a finalidade dela na tricotomia? Porque se fala tanto nela e se conhece tão pouco dela?
Pessoalmente não tenho a intenção de dar uma definição como verdade absoluta do assunto, mas vou desenvolver uma linha de pensamento sob a ótica teológica e psicanalítica, visando, no final, trazer o entendimento de que, tanto à teologia quanto à psicanálise – uma vez associadas, podem atingir um fim proveitoso para a cura da alma, “reprogramando” a mente e, consequentemente, produzindo resultados espirituais. - “Amado, desejo que te vá bem em todas as coisas, e que tenhas saúde, assim como bem vai a tua alma” 3Jo.1:2.
A expressão alma é um termo que no hebraico do Velho Testamento é - néphesh: dá o sentido literal de “respiração da vida”; No grego do Novo Testamento é psykhé: termo que indica a vida física e racional do homem.
Etimologicamente, deriva do termo latino animu (ou anima), que significa "o que anima". Seria a fonte da vida de cada organismo, sendo eterna e separada do corpo. Alma não é o mesmo que espírito.
Na Bíblia, os vários sentidos da palavra alma, tais como - sangue, coração, vida animal, pessoa física, etc., devem ser interpretados segundo o contexto da escritura em que está contida a palavra “alma”.
Em relação ao ser humano, a alma é o princípio inteligente que anima o corpo e usa os órgãos e seus sentidos físicos como agentes na exploração das coisas materiais, para expressar-se e comunicar-se com o mundo exterior.
A Alma e o Plano da Salvação - A morte de Jesus tem como objetivo a salvação da alma, a salvação do “eu”, daquilo que me define como ser existente - a alma vivente descrita em Gn.2.7. Nesse ponto, entra o conhecimento psicanalítico que vai definir a composição da alma para chegar no “EU”.
Para a medicina, enquanto o cérebro está funcionando, a pessoa está viva. A morte cerebral ocorre quando não há mais nenhum tipo de atividade cerebral, seja elétrica - dos micro-impulsos entre os neurônios, circulatória ou metabólica. Biblicamente falando, refere-se à separação corpo/alma - “...e clamou ao Senhor, e disse: Ó Senhor meu Deus, rogo-te que a alma deste menino torne a entrar nele. E o Senhor ouviu a voz de Elias; e a alma do menino tornou a entrar nele, e reviveu” 1Rs.17:21,22.
O cérebro é a estrutura física - o órgão responsável pelas atividades cerebrais e metabólicas, que controla tudo o que um indivíduo faz. A mente é a parte imaterial, invisível e não palpável. Podemos dizer que o cérebro é o elo de ligação da alma com o corpo.
Quando somos alcançados pela graça de Deus, o primeiro tomo da tricotomia a sofrer mudança é a alma. Na linguagem cristã, o termo é – Conversão: do Latim, converterE - “virar, transformar”, de COM, “junto”, mais VERTERE, “virar, torcer”. O sentido é convergir, mudar de direção. No caso da fé, é uma mudança radical naquilo que cremos: Conceito de Deus; E naquilo que fazemos: Conceito de pecado. “Porque não me envergonho do evangelho de Cristo, pois é o poder de Deus para salvação de todo aquele que crê;” Rm.1.16.
Essa mudança de conceito se processa na mente – Alma: “E não sede conformados com este mundo, mas sede transformados pela renovação do vosso entendimento, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus”. Rm.12.2. A salvação converge o homem da forma do mundo para a forma de Deus, através da mudança da mente – único meio de experimentar uma verdadeira relação com Criador.
Como vimos, é na mente que alojamos todas as informações que definem nosso caráter e determinam nossas ações. A conversão de conceitos implica numa nova visão sobre o pecado, nos levando a santidade.
A busca do conhecimento da palavra de Deus formará os novos conceitos e guiará o homem à vontade dEle – (“A palavra em vós enxertada, a qual é poderosa para salvar as vossas almas” Tg.1:21), gerando a fé.
Paulo nos ensina que a fé vem pelo ouvir – “De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus”. Rm.10.17. Tudo que ouvimos, passa a ser informações, que serão recebidas e processadas na mente, transformando-se em conceitos. Uma vez formados os conceitos, entra em ação as atividades cerebrais que receberão esses conceitos para torná-los em ações. No cérebro, essas informação passam por um novo processamento, agora nos campos da razão e da emoção. Para melhor compreensão desse processo, é importante entender como funciona o cérebro. Basicamente, existem duas partes no cérebro que são responsáveis pelo processamento das informações: O Sistema Límbico - responsável por nossas emoções (Numa emergência o sistema límbico que já foi treinado, dispara os impulsos necessários de autodefesa) e o Neocortex - que é o responsável por processar as informações lógicas - inteligência. Depois de processado nesses campos, essas informações serão direcionadas para o emocional ou para o racional, dependendo do indivíduo.
Se a pessoa é racional, essas informações serão úteis e definirá o caráter do indivíduo como uma pessoa centrada. Se é uma pessoa emocional, a tendência é canalizar essas informações para a emoção, levando, muitas vezes, aos recalques, frustrações, as decepções e etc.
Todo esse processo de mudança é teologicamente chamado de santificação – separação para Deus. Numa linguagem paulina, a definição é: Desenvolver a Salvação - “Desenvolvei a vossa salvação com temor e tremor” Fl.2.12. Um dos sinônimos de desenvolver é: Aumentar as faculdades intelectuais, expandir o conhecimento – “Antes, crescei na graça e no conhecimento de nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo” 2Pd.3.18. Novamente voltamos para a alma, local de absorção, alojamento do conhecimento, processamento de mudanças e comando das ações. A salvação só pode ser processada na mente, mediante o conhecimento que se tem da palavra de Deus – “Vós examinais criteriosamente as Escrituras, porque julgais ter nelas a vida eterna, e são elas mesmas que testemunham acerca de mim” Jo.5.39.
Para muitos cristãos, se avalia a espiritualidade ou santidade de alguém pela manifestação de dons e de poder, porém, é o maior engano. A espiritualidade se avalia pela santificação por meio da palavra – "Vós já estais limpos pela palavra que vos tenho falado." (Jo.15.3), “a fim de a santificar, tendo-a purificado com a lavagem da água, pela palavra,” Ef.5.23. Não há manifestação de dom ou de poder sem conhecimento da palavra. Em geral, esses cristãos que procuram mostrar grande espiritualidade por meio dos dons, têm pouco ou nenhum conhecimento bíblico, e sua santidade é superficial. Não têm fundamento e logo desviam-se da fé. Aqui está o grande sentido de Marcos 12.24 – “Então Jesus os admoestou: Não é sem motivo que errais tanto, pois não conheceis as Escrituras nem o poder de Deus!”. Pela ordem - as escrituras vem primeiro, depois o poder. A base do poder é a escritura. É ela quem fundamenta os dons e o poder.
Creio que esse resumo clareia um pouco essa diferença alma/espírito. Agora, veremos outra abordagem sobre a alma: A alma na psicanálise.
“...guarda a tua alma das angústias”. Pv.21.23
Antes de qualquer coisa, a psicanálise é uma teoria que pretende explicar o funcionamento da mente humana. Além disso, a partir dessa explicação, ela se transforma num método de tratamento de diversos transtornos mentais.
Quando o assunto é a psique, dois fundamentos se destacam na teoria psicanalítica: Consciente e Inconsciente.
O consciente - indica uma visão mais superficial da personalidade e atitudes - as racionais, pensadas de forma clara por nós. Nesse processo, a consciência não é mais do que uma fração de nossa vida psíquica total;
O inconsciente - os processos psíquicos são, em sua imensa maioria, inconscientes - Ou seja: toma conta de toda parte inexplicável, aquilo que está submerso, nossos instintos e desejos mais profundos, propulsores da nossa existência. Tais processos psíquicos inconscientes são dominados por forças libidinais. - A libido é a força que move o ser humano na obtenção de prazer, evitando assim o desprazer. “De maneira que agora já não sou eu que faço isto, mas o pecado que habita em mim.” Rm.7.17.
A psicanálise compreende as grandes manifestações da psique como um conflito entre as tendências libidinais e as fórmulas morais e limitações sociais impostas pelo indivíduo. “Porque não faço o bem que quero, mas o mal que não quero esse faço.” Rm.7.19.
Uma vez que a obtenção do prazer não pode ser alcançada, logo será recalcada no inconsciente do indivíduo. Esses conflitos dariam origem aos sonhos, que seriam as expressões deformadas ou simbólicas de desejos reprimidos.
A psicanálise divide a mente humana em três partes: 1 - O id, isto é, os impulsos múltiplos da libido, dirigidos sempre para o prazer; 2 - o ego, que se identifica à nossa consciência; 3 - o superego, que é a nossa consciência moral, o guardião dos princípios sociais e das proibições que nos são inculcadas nos primeiros anos de vida e que nos acompanham de forma inconsciente a vida inteira. Ele também age inconscientemente, censurando os impulsos e desejos.
Pode se dizer que, para a psicanálise a mente é uma engrenagem, que funciona e rege a vida do indivíduo. É nela que se forma e define o caráter e a personalidade de cada ser – o “eu”.
Especificamente, a psicanálise, quando associada aos princípios bíblicos, pode contribuir e muito no tratamento da alma. Acredito que a profecia de Isaías se encaixa bem nesse processo: “E os que de ti procederem edificarão as ruínas antigas, e tu levantarás os fundamentos de muitas gerações, e serás chamado reparador da brecha, e restaurador de veredas para morar" (Is 58:12). O psicanalista escava as ruínas antigas, levanta os fundamentos de gerações, repara brechas e reconstrói veredas.
Visto o tema sob a ótica teológica e psicanalítica, passemos as doenças emocionais. Quando decidi estudar psicanálise, no processo de formação, fui descobrindo respostas para os conflitos pessoais que não compreendia a razão de não conseguir superá-los por meio de uma vida santificada.
Foram incontáveis as noites que saia após o culto, deixava a esposa e filhos em casa e dirigia feito um louco noite adentro, chorando, angustiado e confuso, até que a gasolina estivesse acabando. Voltava para casa, estacionava na garagem e dormia no carro.
Lembro-me de numa noite estar tão confuso que arranquei o galho de uma arvore com uma força tão brutal que não seria possível fazer isso de mãos nuas.
Em outra ocasião, esmurrei o parabrisa do carro, despedaçando o vidro. Isso é quase que impossível de se fazer dirigindo.
Hoje consigo entender facilmente o que está acontecendo, especialmente relacionado a questão do suicídio de pastores.
A principal causa apresentada por estudiosos da área de saúde mental, está relacionada a SÍDROME DE BURNOUT – um estado de tensão emocional e estresse crônico que provoca intensos desgastes físicos e psicológicos, causados por acúmulo de tarefas, cobranças excessivas, perfeccionismo e foco no trabalho como fonte exclusiva de prazer.
As categorias mais atingidas são as que lidam com pessoas e se expõem ao sofrimento humano. O Sacerdócio está em primeiro lugar, seguido de Policiais, professores e profissionais de saúde.
Características da doença
Exaustão - Conforme pesquisa do Isma-Brasil 97% apresentam: fraqueza, dores musculares, dores de cabeça, náuseas, alergias, queda de cabelo, distúrbios do sono e diminuição do desejo sexual;
91% - apresentam: desesperança, solidão, raiva, impaciência e depressão;
85% apresentam: raciocínio lento, memória alterada e baixa autoestima.
Despersonalização: Em geral, os portadores da síndrome Burnout tornam-se céticos e mal-humorados, tendem a se isolar, apresentam distúrbio emocionais e negativismo.
Baixa produtividade: A insatisfação pessoal leva o indivíduo a baixa produção e desvalorização daquilo que faz. A queda no rendimento levanta dúvidas quanto à própria capacidade. Outros sintomas predominantes são: agressividade, ataques de ira, diabetes, cardiopatias, doenças autoimunes, crises de pânico e depressão. A totalização desses sintomas resulta em esgotamento total.
A Síndrome de Burnout tem como principal causa o perfeccionismo, que leva à busca de uma excelência às vezes impossível. No caso dos sacerdotes, a busca de uma vida como referencial para os membros da igreja é a base de suas atividades.
A falta de reconhecimento, as críticas constantes e “fofocas” envolvendo seu nome, são os principais gatilhos para Burnout.
Depressão e Burnout - A dificuldade de diagnosticar a Burnout, pode ser confundida com depressão. Cabe lembrar que nos relatos recentes de suicídio entre sacerdotes - pastores e os padres, os mesmos apresentavam quadro de depressão e uso de medicação.
O uso de antidepressivo ameniza os sintomas, mas não trata a causa. Para que o tratamento seja eficaz, requer o afastamento das atividades, descanso e psicoterapia.
A qualidade de vida é uma das armas para prevenir a Síndrome de Burnout. E isso inclui cuidar da saúde, dormir e alimentar-se bem, praticar exercícios físicos e manter uma vida social bem ativa.
A síndrome de Burnout, foi descoberta pelo psicanalista americano Herbert Freudenberger em 1974.
Assim, é recomendável que os pastores e líderes que identifiquem em si os sintomas acima relacionados, revejam suas rotinas de atividades, façam check-up, tirem férias, programem atividades esportivas e, acima de tudo, busquem tratamento psicoterapêutico.
Preocupada com o crescimento dos problemas emocionais e mentais que vêm se agravando, a Igreja Metodista do Brasil em Paranavaí/PR, criou um espaço para atendimento de seus líderes, membros e a sociedade local, onde presto atendimento. A realidade clínica nesses atendimentos têm produzido resultados extraordinários na qualidade de vida emocional, mental e espiritual dos atendidos, mostrando que, associar a terapia psicanalítica à saúde da igreja, contribui, grandemente, para uma igreja mais sólida e com qualidade de vida total do que o evangelho pretende.
Creio ser fundamental que as denominações evangélicas invistam mais na saúde mental e emocional dos pastores, de suas esposas e filhos, pois todos são potenciais candidatos a síndrome de Burnout, e, consequentemente, “os próximos suicidas”.
Pastor: "tem cuidado de ti mesmo...". 1Tm.4.16.
Osésa Rodrigues de Oliveira
Psicanalista Clínico – Pós Graduado em Psicanalise Aplicativa
Bacharel em Teologia.